Em artigo recente, o professor Henry Jenkins, espécie de sumidade fundadora quando se trata de transmídia storytelling, desvendou sete mitos sobre o assunto. Vou tentar transcrever as idéias do professor com o máximo de precisão possível. Acrescentarei também observações que possam ser úteis ou convenientes.
Primeiro, vamos buscar o conceito de transmídia storytelling cunhado pelo próprio professor: “uma história de transmídia se desdobra através de múltiplas plataformas de mídia, cada qual com um novo texto, fazendo uma contribuição distinta e valiosa para o todo”. Ou seja, transmídia storytelling é contar uma história sobre algo (uma marca, por exemplo) através de diversas plataformas, sendo que os conteúdos em cada uma delas devem ser diferentes, únicos e essenciais para a construção da narrativa.
O que me faz lembrar que, ao contrário do que se pensa em algumas empresas, postar o vídeo feito para a televisão no canal do Youtube não constitui uma história multi-plataforma. É, no máximo, um reaproveitamento de conteúdo. Antes de querer que o seu vídeo se torne o tão sonhado “viral” é interessante, ao menos, se preocupar em produzir um produto com uma linguagem que respeite as características e idiossincrasias presentes na internet.
Vamos aos mitos:
1. Transmídia se refere a estratégias envolvendo mais de uma plataforma de mídia
O que tem acontecido com frequência é a reprodução das mesmas histórias nas diversas plataformas. É como assistir a novela na televisão e depois rever uma cena no site da emissora. Um livro que se torne filme no cinema também não constitui uma obra transmídia. Novamente, é apenas a mesma história sendo recontada. Em uma obra de transmídia storytelling deve haver elementos dispersos e únicos através das múltiplas plataformas, cada um deles contribuindo de maneira decisiva para a história. Se uma personagem da novela possui um blog e este pode ser lido com exclusividade na internet isso, sim, pode ser considerado conteúdo transmidiático.
2. Transmídia é somente uma nova estratégia promocional
Qualquer plano de marketing (principalmente digital) hoje tem uma preocupação central: engajamento da audiência. Fazer com as pessoas participem da campanha através do máximo possível de plataformas e redes sociais digitais. A busca é sempre pela interação, fazer com os usuários falem (divulguem) sobre a marca. Segundo Jenkins, os melhores contos transmídia não vem de planos de marketing – estratégias promocionais. Eles vem simplesmente de “impulsos criativos”. O storytelling é uma permissão para os autores ampliarem seus espaços de interação com os mais dedicados fãs da marca.
3. Transmídia significa games
O crescimento dos ARGs (alternate reality games) junto com as características das mídias de massa é grande parte do que gera essa excitação em torno dos conteúdos transmidiáticos. As propriedades do transmídia combinam “cultural attractors”- responsáveis por unir usuários com alto potencial de participação e paixão pela marca – e “cultural activators” – que dão aos usuários algo para fazer. Games são uma das boas formas de dar para a audiência uma atividade, algo para fazer, uma forma de interagir, mas certamente não são os únicos modelos de comunicação transmidiática que podemos encontrar lá fora.
4. Transmídia é somente para geeks (nerds)
Até agora, a maioria dos produtos transmídia foram feitos para os “early adapteres”, aqueles usuários que ficam em casa e na maior parte do tempo estão envolvidos pela nuvem digital, possuem tempo, renda, são homens e tem entre 18 e 27 anos de idade. A maioria dos exemplos que temos de obras transmidiáticas tem como target crianças, através dos cartoons, ou os geeks, através da ficção científica, terror e franquias de fantasmas.
No entanto, nós já temos alguns sinais de que em um futuro breve o público para este tipo de obra será mais amplo. Segundo Jenkins, há quem acredite que o transmídia pode resgatar a força que as novelas já tiveram um dia. A depender dos canais com que se trabalhe, é possível alcançar grandes públicos sim. No Brasil, tivemos o filme “Os Normais”, que era um produto televisivo e ganhou dois episódios cinematográficos >>> transmídia storytelling total. Produto para geeks? Não! Também não creio que possamos falar sobre a decadência das novelas no Brasil. O elemento cultural neste caso influencia de maneira determinante a produção.
5. Transmídia requer gigantescos orçamentos
Não são somente os blockbusters e as séries de televisão do momento que podem trabalhar conteúdo transmídia. Nós já temos bons exemplos de produções baratas ou independentes que utilizaram de diversas plataformas para contar uma história: A Bruxa de Blair, Distrito 9 e Atividade Paranormal são alguns exemplos. É preciso pensar de maneira adequada qual o mix de mídia mais interessante para o produto, tentar perceber de que forma as diferentes plataformas podem contribuir para a construção de uma narrativa mais ampla.
6. Qualquer narrativa deve ser transmidiática
Muitas histórias podem ser contadas perfeitamente através de uma única plataforma de mídia, deixando a audiência perfeitamente satisfeita e sedenta por mais. Transmídia é uma oportunidade criativa, no entanto, não deve ser tomada como regra para todo produto de entretenimento.
7. Transmídia já é coisa do passado
A primeira geração de produtos transmídia de sucesso como, por exemplo, Lost, já terminou. Mais recentemente, algumas séries norte-americanas tentaram utilizar fórmulas parecidas e falharam, não conseguiram atrair a atenção do público.
Storytelling transmídia não deixa de ser uma história. Se a narrativa não é boa, imaginativa e capaz de chamar a atenção do público, não será a existência em múltiplas plataformas que a salvará. Se a narrativa tem qualidade, o transmídia é uma oportunidade de aumentar os pontos de contato entre produto e usuários/fãs/espectadores. Fazer com as pessoas se envolvam ainda mais na história, fazer com que vão fundo na paixão pela marca que desejam e anseiam por ela.